amores expressos, blog da Adriana

terça-feira, 19 de junho de 2007

Café d'Enfer

Na chegada à rue Daguerre, em busca do apartamento, passamos pela feira livre. Vendedores gritando morangos, cerejas. Queijos. Carnes que não comemos - somos vegetarianos num país em que tradicionalmente se devoram bifes de cavalo, escargots, ostras, fígado de ganso, coelhos, rãs, oursin, gigot d’agneau e afins.


Venta. Ameaça chover. Um homem me cumprimenta, de passagem pela feira, vendo as malas: bienvenue en France.
Vous aussi, mon ami: você também. O rosto dele é o de um imigrante mais ou menos assimilado pela cidade.


O livro que estou lendo se chama We’ll Always Have Paris: Sex and Love in the City of Light, do crítico de cinema John Baxter. Leio: “All Paris stories are to some extent stories of love – love requited or unrequited, knowing or innocent, spiritual, intellectual, carnal, doomed” (“todas as histórias de Paris são, até certo ponto, histórias de amor – amor correspondido ou não correspondido, experiente ou inocente, espiritual, carnal, predestinado”).


Os morangos, as cerejas, flores de lavanda em potes na calçada. O Café d’enfer (“Café do inferno”) fazendo trocadilho com o Boulevard Denfert, nas proximidades. As malas rolando pela rua de pedestres.

Na primeira vez que cheguei em Paris tinha 18 anos e vim para morar. Acabei me mudando para Avignon, fui cantar MPB num restaurante chamado Tudo Bem – ganhava gorjetas extra com “Essa moça tá diferente”, do Chico, tema de um comercial da Orangina (espécie de Fanta laranja daqui). Vim de novo a Paris quase dez anos depois. E a última vez foi no ano passado, fiquei quinze dias hospedada com o amigo de origem argelina que estuda filosofia e mora de favor num conjunto de chambres de bonne num endereço chique (as chambres de bonne são minúsculos quartos reservados antigamente à criadagem, com um banheiro comum e no último andar dos prédios, o que pode equivaler a vários lances de escada).

Quando estive aqui no ano passado topei com o João Paulo Cuenca na rua. Ele estava barbudo, quase não reconheci. Estávamos no meio de um monte de pedestres no Boulevard Saint-Michel. Parece o Cuenca, eu pensei. Aí escutei: Adriana?
Bienvenue en France.
Vous aussi, mon ami. Todos mais ou menos assimilados pela cidade.

Chove fino, uma chuva inocente. Precisamos comprar adaptadores para as tomadas francesas.