amores expressos, blog da Adriana

quinta-feira, 12 de julho de 2007

porque la clave de la coincidencia es otra:

Encerro este blog hoje, e dentro de algumas horas me arrasto pelos corredores subterrâneos de Paris, pego o RER aqui mesmo na estação Denfert-Rochereau (na esquina da rua daquele fotógrafo... como se chama, déjà?) direto até o aeroporto Charles de Gaulle.

Minhas malas são cada vez mais leves.
Acho que o que os olhos vêem se costura por trás deles, num espaço que desconhece fronteiras, que acolhe este céu algodoado de Paris e pensa: nunca vai ser meu, mesmo que eu volte a morar aqui um dia. Nunca vai ser mais meu do que qualquer outro céu. O do Rio de Janeiro inclusive, ou o do Planalto Central, ou o céu do Colorado (mais baixo do que os outros céus?).
Por isso mesmo, o céu de Paris pode ser meu.
Meu: pronome possessivo despossessivizado.

Creio que encontrei o livro que vim buscar aqui. Ou ele me encontrou, o que dá no mesmo. E me despeço com um trecho do Vilém Flusser, filósofo judeu nascido em Praga que morou também no Brasil, na Itália, na França:

“Estrangeiro (e estranho) é quem afirma seu próprio ser no mundo que o cerca. Assim, dá sentido ao mundo, e de certa maneira o domina. Mas o domina tragicamente: não se integra. O cedro é estrangeiro no meu parque. Eu sou estrangeiro na França. O homem é estrangeiro no mundo.”


quarta-feira, 11 de julho de 2007

de nouveau, Cortázar

HAPPY NEW YEAR

Mira, no pido mucho,
solamente tu mano, tenerla
como un sapito que duerme así contento.
Necesito esa puerta que me dabas
para entrar a tu mundo, ese trocito
de azúcar verde, de redondo alegre.
¿No me prestás tu mano en esta noche
de fìn de año de lechuzas roncas?
No puedes, por razones técnicas.
Entonces la tramo en el aire, urdiendo cada dedo,
el durazno sedoso de la palma
y el dorso, ese país de azules árboles.
Así la tomo y la sostengo,
como si de ello dependiera
muchísimo del mundo,
la sucesión de las cuatro estaciones,
el canto de los gallos, el amor de los hombres.

Passage du désir

Na casa da Marie Ange, a conversa mais animada foi sobre a loja Passage du désir. Estive na filial do Beaubourg, inaugurada faz dois meses. É "a primeira 'love store' de Paris", uma sex shop bonita, de portas abertas para a rua, num local bacana. Vêem-se casais (de todos os tipos), gente solteira, homens, mulheres, de idades variadas, interessando-se por uma gama generosa de produtos que vão desde velas e óleos a aparatos mais hardcore. Ninguém fica constrangido, e no caixa a vendendora ainda diz: ah, super esse produto que você está levando, já experimentei etc. Dali as pessoas seam com a sacolinha ostentando orgulhosamente o carimbo com o coração e o nome da loja.
chez Marie Ange:



*

Amanhã é meu último dia aqui. Arrumo as malas.



Antes, deixo, entre parênteses, um convite, para quem puder e quiser aparecer: lanço o meu novo romance na semana que vem, no Rio. Terça, dia 17, na Travessa de Ipanema, a partir das oito. É o romance que me levou em viagem ao Japão, no ano passado.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Changing places

Quando tentei finalmente me sentar no Café d'Enfer, estava fechado. O inferno não recebeu visitantes ontem, mesmo sendo o dia do turismo em Paris.
Diante da porta de casa havia esse pássaro morto. Havia esse outro pássaro na gaiola do homem que vinha pela calçada na direção oposta. Um pássaro amarelo. O pássaro morto diante da porta de casa era maior e com aquela cor indefinida dos pássaros que não são de raça nobre.
Passavam nuvens rápidas pelo céu e o azul era só uma pequena fragilidade entre dois tons de cinza.




O pássaro morto não está mais no meio-fio. Em pouco tempo alguém removeu. Um bicho levou. Não se sabe.

O céu e a terra estão changing places, como no cd de Tord Gustavsen.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Rayuela, céu, inferno



Fica a uma quadra da minha rua, o Cemitério de Montparnasse. O tempo estava bonito de manhã.
Consegui ver algumas pessoas que estava procurando. Ionesco, Tristan Tzara, Cortázar e Carol Dunlop (com um belo cronópio - será um cronópio? - encimando o túmulo), Sartre e Simone, Marguerite Duras.
Não encontrei Man Ray e Jean-Pierre Rampal, que por algum motivo se enconderam de mim.
No túmulo super simples de Sartre e Simone, o céu já estava fechando. Trovoadas. Bastou andar uns cem metros até Marguerite Duras e caiu um verdadeiro temporal. Granizo. Vento frio.
Descobri que meu guarda-chuva tem goteiras. Voltei correndo pra casa me devendo uma outra visita em busca de Baudelaire, Saint Saëns, Maupassant, Cioran, Beckett, Brancusi, Susan Sontag.
Cheguei em casa ensopada da cintura aos pés, troquei de roupa, coloquei a calça jeans na máquina. Passados dez minutos, se tanto, o tempo abriu de novo. Um sol lindo. Um céu inteiramente azul.


Há um pouquinho de rayuela em tudo isso. Eu já devia saber. "Podemos saltar del cielo a la tierra en unos instantes o en una eternidad."
Mas acho que hoje será feita la vuelta al día en ochenta mundos. Ça commence à l'enfer, claro.




domingo, 8 de julho de 2007

A foto do dono e o dono da foto


as cores de St Eustache


e o dono da foto, em cores

Ça se fête II!

Hoje o meu filho Biel faz nove anos. Por causa de umas questões paralelas (ou seja, este projeto), vamos comemorar juntos no próximo sábado, quando eu estiver de volta. Mas queria deixar para ele aqui este vídeo divertido e parisiense que encontrei no You Tube.
Ele já está grande demais para fazer como o Gabriel do vídeo, mas quem sabe um dia a gente vem junto a Paris e podemos roller por aqui os dois. Ou os cinco, devo dizer. Ou os seis, devo dizer. Pensando bem, os sete!
Certo: faz mais ou menos 25 anos da última vez que coloquei rodinhas debaixo dos pés, mas, pelo que me lembro, é só deslizar.

UM BEIJÃO, BIEL! JOYEUX ANNIVERSAIRE!

sábado, 7 de julho de 2007

Paris Cinéma

O sol já estava ensaiando uma aparição ontem. Hoje, veio que veio. Aqui, Tati e Marie Ange antes da sessão do filme romeno "4 meses, 3 semanas e 2 dias", vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em pré-estréia no festival Paris Cinéma. (Ao sair da sessão do filme-porrada de Cristian Mungiu, que merece todos os louros, as carinhas, porém, eram outras.)

Quai St Michel

pelo Daniel Mordzinski

Villepin, Sarkô, Lulá


Dentro das investigações do caso Clearstream, Villepin está no centro das suspeitas de conspiração contra Sarkozy. No dia 5 houve busca em seu apartamento, no 17º arrondissement de Paris, sem a presença do ex-primeiro-ministro. No dia seguinte, a busca foi feita em seu escritório, na avenue Kléber. Dessa vez com sua presença. Os policiais saíram com uma caixa e uma valise grandes. Villepin nega o envolvimento. Segundo o Libération, parece incontornável que Villepin responda à acusação de cúmplice em denúncia caluniosa, envolvendo Sarkozy e falsas listas bancárias de Clearstream, a empresa de Luxemburgo.

Dia 5, quinta-feira, Lula também esteve no Libération, que publicou matéria de capa e entrevista com ele – “Mon plan pour la planète”, “Meu plano para o planeta”.
Lula discursou como convidado de honra, em Bruxelas, na abertura da conferência internacional de biocombustíveis, da Comissão Européia.
Em seu blog “À francesa”, do Globo online, Mário Camera traduz este trecho da matéria do Libé: "É preciso ouvir o presidente Lula, sindicalista e presidente, profeta do possível (…) Bom social-democrata, Lula é uma dessas pessoas que querem escapar das lógicas simples (…) levado ao poder pela população de um país largamente agrícola em plena transformação, reeleito facilmente apesar dos escândalos que mancharam sua autoridade moral, ele vê nos combustíveis verdes uma reabilitação do trabalho no campo ao mesmo tempo que uma solução fundada sobre os últimos avanços da ciência…”
Leia aqui (em francês - désolée!) a declaração de Lula para o Libé, o principal jornal de esquerda da França, fundado em 1973 por Sartre.
À suivre...

más allá de la imagen

Persepolis, o filme de animação de Marjane Satrapi, prêmio especial do júri em Cannes, é uma maravilha. Realizado a partir das graphic novels da própria autora, iraniana nascida em Rasht, em 1969, crescida em Teerã e radicada em Paris.
Fiquei observando o público da sessão das 18:20 de sexta-feira, no UCG Danton, no Boulevard Saint Germain. Pessoas sozinhas, assim como eu. Homens, mulheres. Casais. Grupos de senhoras. Grupos de adolescentes.

Então, aconteceu. Um espírito qualquer me atropelou no meio da rua. Alguma coisa me acertou em cheio, no estômago, na retina, no coração. Preciso corrigir o autor que cito lá nos primeiros posts desta estadia, segundo o qual todas as histórias de Paris são, em algum nível, histórias de amor. Eu diria que todas as histórias de Paris são, em algum nível, histórias de amor por Paris.


*


No Espai Gastronòmic Català, na Maison de la Catalogne - fica na Cour do Commerce St. André, "uno de los pasajes más bonitos de París" - almoço com o meu amigo Daniel Mordzinski, fotógrafo argentino que mora aqui faz mais de 20 anos.
Vamos depois a St Julien le Pauvre, a igreja mais antiga (e mais bonita) de Paris. Ortodoxa. Sem a magnificência das grandes igrejas góticas.
No Quai St Michel, passa um velho parisiense de bicicleta. Pára. Comenta que a pouca luz não lhe parece apropriada para fotografia. Faz brincadeiras. Simpático. Depois vai embora, pedalando, bem perto do rio.

*

Pode parecer que Chantal Maillard, a poeta nascida na Bélgica e radicada em Málaga, não tem nada a ver com Paris. Mas tem. Abaixo, um dos poemas de "Matar a Platón".

No existe el infinito:
el infinito es la sorpresa de los límites.
Alguien constata su impotencia
y luego la prolonga más allá de la imagen, en la idea,
y nace el infinito.
El infinito es el dolor
de la razón que asalta nuestro cuerpo.
No existe el infinito, peso sí el instante:
abierto, atemporal, intenso, dilatado, sólido;
en él un gesto se hace eterno.
Un gesto es un trayecto y una encrucijada,
un estuario, un delta de cuerpos que confluyen,
más que un trayecto un punto, un estallido,
un gesto no es inicio ni término de nada,
no hay voluntad en el gesto, sino impacto;
un gesto no se hace: acontece.
Y cuando algo acontece no hay escapatoria:
toda mirada tiene lugar en el destello,
toda voz es un signo, toda palabra forma
parte del mismo texto.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Largo

Cinza e branco do céu, o vento mexendo com as plantas que nascem no telhado.
O caminhão de lixo passa: estardalhaço de vidro.
Mas há um silêncio dentro de tudo isso. Como há um tempo distendido dentro da pressa desta cidade.
As pessoas se esbarram nas ruas. Os túneis de metrô carregam gente num movimento presto. Os pés das pessoas as carregam pelos túneis de metrô num movimento presto. Mas existe a pausa. Existe o assobio. O tempo largo, suave, cantabile, dentro do corpo da cidade. Um órgão que pulsa tranqüilidade.
Mãos frias, o ar fresco pela janela aberta. O anel que tu me deste. O jardim que tu me deste.
Cinza e branco do céu, passos no andar de cima, talvez um café para espichar esta manhã.


Paris snowbox pelo Alberto Levy, o Beto-de-Milão

*

No blog Langue sauce piquante ("Língua molho picante") do Le Monde online, Martine Rousseau e Olivier Houdart comentam e defendem o uso, pelo jornal, no último dia 4, do termo "Etats-Uniens" ("estadunidenses") em vez de "Américains". Os motivos são os óbvios. E terminam citando Pierre Bayle, o historiador e crítico francês do século XVII: "Notez que la naissance d’un mot est pour l’ordinaire la mort d’un autre ; c’est comme à l’égard des productions de la nature". ("Observem que o nascimento de uma palavra é normalmente a morte de outra; é como acontece na natureza.")
*
Paulo, Mikael e Giulia ficaram emperrados no Galeão, tentando voltar pra Denver, mas por causa de outro caos, aéreo, marítimo, terrestre e anímico, o da burocracia local. A Polícia Federal implicou com a autorização de embarque "estadunidense" das crianças. Vão ter que arranjar uma verde e amarela. Bonne chance.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

My baby just cares for me

Esperando para ver onde o sol bate e se firma, neste verão chuvoso, ouvindo Nina Simone, achei isto aqui no You Tube.

auto-retrato no MAM

Robert Delaunay et moi


quarta-feira, 4 de julho de 2007

I love rien


Vi a estampa acima outro dia numa camiseta: I love rien, I'm parisien (ou: eu não amo nada, sou parisiense). Ilustra tão bem o blasé way of life desta cidade.

Enquanto isso, lá em casa (em Denver), a polícia estava procurando fogos de artifício ilegais nos dias que antecediam o 4 de julho - hoje.

Como dizia certo filósofo jagunço, viver é muito perigoso.

A mon seul désir





Cliques feitos pelo Paulo, há alguns dias, de uma das livrarias mais célebres de Paris, a Shakespeare and Company, que Henry Miller dizia ser "a wonderland of books" (uma terra encantada de livros).
Tem uma história bacana e um dono legendário, o George Whitman, que a inaugurou em 1951, usando (com autorização) o nome da Shakespeare and Company parisiense original, de Sylvia Beach. Entre outras façanhas, Sylvia publicou em 1922 o Ulisses do Joyce, que não arranjava editoras fora dos países de língua inglesa.

A Shakespeare and Co de George Whitman tem sido, também, porto seguro de muitos autores e artistas, principalmente os iniciantes. Consta que mais de 50 mil deitaram a cabeça nos travesseiros da livraria, para dormir.

*
Perdi o filme A vida dos outros (Das Leben der Anderen), de Florian Henckel von Donnersmarck, nos cinemas do Rio e de Denver. Assisti aqui em Paris ontem, junto com a Tatiana Salem Levy (que está publicando o primeiro romance dela, A chave da casa, no Brasil e em Portugal), depois de uma quase-peregrinação pelos cafés da Champs-Elysées em busca de uma pression e de uma taça de vinho que custassem menos de 8 Euros.

O cinema, por outro lado, foi de graça - graças à carteirinha mágica da Tati.

A vida dos outros está no topo da preferência do público e da crítica por aqui. É um filme excepcional.

Voltando depois para casa, sozinha, pensei no que o Luiz Ruffato postou no blog dele, sobre a sensação de segurança. Quase uma da manhã, eu caminhando pelas ruas relativamente escuras daqui de perto, e não me vinha aquele impulso de olhar para os lados e agarrar a bolsa. Se apertei o passo, foi porque estava frio mesmo. Quase parei para fazer um take com a filmadora da produção, que estava na minha bolsa. Se não parei, foi porque estava frio mesmo.

Antes disso, fui abordada pela primeira vez num túnel de metrô pelo pessoal da fiscalização, pedindo bilhete. Numa boa.

*


A leitura de hoje é um livro sobre a série de 6 tapeçarias "A dama do unicórnio". A coisa mais poderosa e emocionante que vi nestas quase três semanas aqui. Foi tecida em Flandres no século XV, a partir de desenhos feitos na França. Prosper Mérimée as descobriu no castelo de Boussac, em 1841, e depois George Sand as tornou célebres nos escritos dela. Acredita-se que cada uma represente um sentido, e a sexta, intitulada A mon seul désir, refira-se ao sexto sentido, a compreensão, ou remeta ao Liberium arbitrium dos filósofos gregos. Retrata a dama guardando numa caixa as jóias que tirou.

"A dama do unicórnio" está no Museu da Idade Média, de onde também é a imagem abaixo. Antes do pôr-do-sol...

segunda-feira, 2 de julho de 2007

pariso


Relendo Leminski, de noite quase amanhã, depois da chuva, do RER, das escadas, das aulas de canto da vizinha, de arrumar a cozinha, de arrumar os livros, de adiar o trabalho, de pesar os olhos, de fazer silêncio, de fazer um chá, de sorrir comigo, mas de sentir falta, mas de sorrir comigo, mas de sentir falta, de pensar no avião céu de Paris/Atlântico/Rio. Vai o Leminski, aqui - vá lá.

pariso
novayorquizo
moscoviteio
sem sair do bar

só não levanto e vou embora
porque tem países
que eu nem chego a madagascar

Viagem ao fim da noite

Hoje tem show do Pat Metheny e do Brad Mehldau no L'Olympia. Para quem quiser/puder pagar ingressos entre €56-€89. Eu me contento em ouvir o CD deles.

*




Surpreendente a Monumenta 2007 no Grand Palais com as obras do Anselm Kiefer, "trabalho demiúrgico de um pintor sem normas", segundo a crítica. Fortes - monumentais.
Uma delas é inspirada num poema de Paul Celan, que copio abaixo, em francês e no original alemão, sem me atrever a traduzir (olá, Quel!). Outras se inspiram em Ingeborg Bachmann (o poema Nebelland ou "terra da neblina") e em Louis-Ferdinand Céline (Voyage au bout de la nuit, trinta quadros dispostos em duas seções sem começo ou fim, misturando barcos, mar e ferrugem). São as duas obras que cliquei e reproduzo acima, respectivamente.


Le secret des fougères (Paul Celan)

Sous la voûte des épées le coeur vert-feuilles des ombres s'examine.
Les lames sont luisantes: qui, dans la mort, ne traînerait devant des miroirs ?
Et puis, on sert ici dans des cruches le breuvage de mélancolie vivante :
son bouquet de ténèbres s'exhale et monte, avant qu'elles boivent, comme si elle n'était pas d'eau,
comme si elle était ici belle pâquerette qu'on effeuille et questionne sur un amour plus obscur,
sur des coussins plus noirs pour la couche, ou des cheveux plus lourds...

Mais ici on ne tremble que pour la lueur du fer,
et si doit surgir l'éclat d'une chose encore, que la chose soit épée.
Nous ne vidons la cruche de la table que parce que des miroirs régalent :
qu'il s'en brise un en deux où nous sommes verts comme feuilles !

(traduction Jean Pierre Lefebvre)

Das Geheimnis der Farne (Paul Celan)

Im Gewölbe der Schwerter besieht sich der Schatten laubgrünes Herz.
Blank sind die Klingen: wer säumte im Tod nicht vor Spiegeln?
Auch wird hier in Krügen kredenzt die lebendige Schwermut:
blumig finstert sie hoch, eh sie trinken, als wär sie nicht Wasser,
als wär sie ein Tausendschön hier, das befragt wird nach dunklerer Liebe,
nach schwärzerem Pfühl für das Lager, nach schwererem Haar...

Hier aber wird nur gebangt um den Schimmer des Eisens,
und leuchtet ein Ding hier noch auf, so sei es ein Schwert.
Wir leeren den Krug nur vom Tisch, weil uns Spiegel bewirten:
einer springe entzwei, wo wir grün sind wie Laub!

sábado, 30 de junho de 2007

Saint-Merry

Num canto do Beaubourg, quase esquecida, tapada por uma tela que indica estar passando por reformas, está Saint-Merry, a igreja gótica do século XVI, erguida sobre uma precedente, do século XIII, que por sua vez substituiu uma capela do século IX. Saint-Merry tem toques do gótico flamejante inglês. Muita coisa ali foi destruída na época da Revolução, quando a igreja virou depósito de salitre. Em Saint-Merry mora um órgão de 350 anos de idade, que é um dos mais importantes de Paris e tem sido tocado com parcimônia, porque precisa de reformas urgentes ele também.

Num canto do Beaubourg, no meio de uma tarde de sábado, com multidões corre-correndo lá fora, um recital de órgão acontece em Saint-Merry. É algo raro. Um recital gratuito, embora aceitem-se doações para a reforma do órgão.

Num canto do Beaubourg, uma senhora empertigada e vivaz, chamada Michèle Guyard, senta-se ao intrumento onde já tocou Saint-Saens, quase perdida atrás da estrutura imensa. Quem está na igreja só a vê porque uma câmera projeta sua imagem numa tela.

Num canto do Beaubourg, Michèle Guyard toca uma suíte de danças de um compositor do século XX, Jehan Alain, que morreu em 1940 - aos 29 anos de idade. Há veios de jazz na suíte, estilo de que Alain gostava. É genial.

Num canto do Beaubourg, o órgão de Saint-Merry altera timbres e dinâmicas e seu som poderoso termina num acorde seco, moderno.

Num canto do Beaubourg, enquanto lá fora - cafés, cervejas na pressão.



arte sobre imagem do Hôtel de Ville, do projeto Jardins Demain

O dia clareando devagar. O apartamento respirando com sono. Um abajur aceso. Um carro passando lá embaixo, numa rua próxima. Le ciel est grand, diz o cartão. A saladeira vazia no chão, perto do sofá. Um pote com caroços de cerejas e um copo também vazio, ficou de ontem. Madeleine Peyroux cantando, na memória, Bob Dylan (you're gonna make me lonesome when you go).

Igualdade e diferenças

"Égalité : ne transigeons pas !" Com essa palavra de ordem, 500 mil pessoas foram às ruas de Paris ontem para uma parada gay, a Marche des fiertés LGBT (lesbiennes, gaies, bi et trans), que estampou a cidade com vários arco-íris e balões coloridos. O encontro festivo foi também reivindicativo, dominado este ano por duas promessas de campanha do Sarkozy: a do casamento civil e a da criação de um estatuto para o padrasto ou madrasta em famílias homoparentais.
imagem colhida no Marais: o cartaz critica o programa de saúde do Sarkozy e diz: nós não sobreviveremos - e você também não.
*

O jeito blasé do parisiense é uma doença contagiosa. É preciso um cuidado imenso, ou daqui a pouco você já está achando que deve deixar mesmo um pouco de comida no prato - não importa a fome que se passe noutros cantos do mundo.
A esse respeito, lembro-me do que escreveu Roland Barthes em O império dos signos sobre a relação dos japoneses com a comida, comparada à dos franceses.
Um francês está sempre agindo como se não sentisse fome. Cena clássica é a da parisiense magra, elegante e fumante no café, pela manhã, puxando pedacinhos preguiçosos do croissant, como se comer fosse uma obrigação aborrecida. Disse-me um parisiense, no ano passado, que isso de comer pão nas refeições é desprezível. Você nunca deve demonstrar que sente fome, mesmo que sinta.
Já os japoneses, como observou Barthes, tratam a comida com reverência e não se importam em demonstrá-lo. Mas é uma atitude comedida e justa, e o aspecto visual da comida é tão importante quanto o sabor. Come-se até o fim e, se os preceitos zen-budistas forem seguidos, lava-se a tigela depois com um chazinho ou água morna e bebe-se o líquido, de modo a não desperdiçar nada.

*

Um parisiense te insulta. Você devolve o insulto. Estabeleceu-se entre vocês uma relação de cordialidade mútua. De respeito. De quase admiração.

Rivoli/Malher/amor


Ontem fiquei pensando na entrevista que o Tadeu fez comigo e na impressão de que faltou dizer uma coisa: que o mais importante, acho, não é tanto o primeiro amor da vida da gente (esse mito), mas o último. Aquele que a gente quer que seja o último.

*

Tadeu, eu e Marcela num café na esquina da rue de Rivoli com a rue Malher, já quase fechando o expediente, no já distante dia 20. O garçom fez a foto. O Tadeu me mandou.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

A quatro mãos e quatro pedais

Castelo de Saumur, construído no século XIV pelos duques de Anjou, nas margens do rio Loire.
Escrevemos o texto abaixo após reflexões a bordo de um espumante.
Entre parênteses.
Os americanos não entendem por que os europeus estão diminuindo a carga horária de trabalho e ainda assim conseguindo ter uma produtividade maior do que a dos profissionais deles. Para quem vive o dia-a-dia com os americanos é fácil perceber onde está o problema. Segundo Al-Cunha, se um americano quer escrever um manual de procedimentos de Como Subir Uma Escada (esqueça Cortázar), a coisa acaba em pelo menos dez páginas descrevendo passo a passo o processo, desde o momento em que a idéia de subir a escada é concebida até o momento de colocá-la em prática (incluindo análise de riscos e estudos de viabilidade), de forma que qualquer imbecil saiba o que fazer nessa situação.
Isso, levado para as grandes corporações, significa investimentos pesados na elaboração desses procedimentos, de modo que a qualidade tenha um padrão mínimo à prova do percentual de imbecis que haja na corporação.
Enquanto os europeus investem em ter menos imbecis, os americanos investem maciçamente em tornar suas corporações à prova de imbecis.
Isso tudo foi inspirado pelo passeio de bicicleta de sete horas de duração pelo Vale do Loire, trecho entre Saumur e Montsoreau.
Quando nos informamos no bureau de tourisme de Saumur sobre o percurso, nos disseram para seguir as setas verdes no chão, demarcando as ciclovias. Começamos fazendo isso, como se fosse um manual norte-americano de subir escada. Isso até o momento em que as setas repentinamente desapareceram do chão.
Neste caso, depois de seguir pelos vinhedos de estrada de terra por uns 30 minutos (com bicicletas apropriadas para asfalto), tivemos que usar o nosso senso de direção e poder de dedução para começar a enteder que, por ali, mais ou menos já equivalia a cem por cento. Voltamos. Seguimos por outro canto. Voltamos. Continuamos por acolá. Voltamos. E, com um pouquinho de bom senso e um bocadinho de sorte, achamos o caminho certo.
No fim, tudo bem, tudo ótimo, é bom comentar essas coisas depois que elas acontecem. Terminamos o percurso de 14 quilômetros apesar desses desvios, de ladeiras subidas em duplicata etc, e voltamos numa boa, margeando o rio.

Ainda sobre os americanos lá de cima, para concluir: eles criaram essa história do "80-20", que significa que você deve investir em 20% das questões que resolvam 80% dos seus problemas. Na prática, a maior parte do mundo adotou esse método – mas os próprios americanos não conseguem ser bem sucedidos nele.
O Loire sinalizou um percentual significativo do caminho pra gente. O resto foi aventura. Numa boa. Heróicas as velôs, heróicas as nossas pernas, e o resto - festa para os olhos.
(Por Paulo Al-Cunha, vulgo “Gurevitz” (também conhecido como “Gureba” nos becos do Rio de Janeiro), e Adriana Lisboa. Num break de Paris por dois dias, em busca da Idade Média.)
*
Inspirado pelo Castelo de Montsoreau, que hoje abriga entre suas paredes uma exposição super high-tech, muito bacana mesmo, Alexandre Dumas escreveu La dame de Monsoreau (comendo o t).
Ao longo do verão, Jacques Le Goff, o grande medievalista, vai dar uma série de palestras na Abadia de Fontevrau, nessa região, sobre seu novo livro, Héros et mérveilles du Moyen Âge.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Paris-grafitti



imagine que você morre (no asfalto da rue Daguerre)


"A 'política' deles é a arte de impedir que as pessoas se metam ativamente naquilo que lhes diz respeito.
A política começa na rua."

(numa faixa de pedestres)

Marais végé
















Depois de um domingo de caminhadas de dia inteiro, que veio depois de um sábado de caminhadas de dia inteiro, arriamos no Le Potager du Marais, um "café restaurant bio végétarien" na rue Rambuteau. Mesinhas coladas formado uma única e comprida mesa, com talvez 20 lugares. Se você se sentar encostado na parede e quiser sair precisa arrastar sua mesinha para a frente. Gostoso à beça. Mas a segunda experiência que tive na vida com vinho orgânico (a primeira foi no vegetariano da Dias Ferreira, no Leblon) foi bem ruinzinha. Melhor o vinho inorgânico mesmo.

O quartier gay do Marais é super acolhedor, com as bandeirolas de arco-íris e as lojas vendendo roupas de látex e cuecas hiper fashion-kitsch. Pertinho do quartier judaico, e do Musée d'Art e d'Histoire du Judaïsme, onde está rolando a exposição Rembrandt et la Nouvelle Jérusalem - Juifs et Chrétiens à Amsterdam au Siècle d'Or, só até o fim do mês. Está no topo da lista.

Cota normal de mau humor e de bom humor parisiense. Os garçons e garçonetes dos cafés parece que são sempre o que há de pior e de melhor. Pertinho de casa, onde o Tadeu gravou a entrevista comigo para o documentário, eles foram super e já me cumprimentam quando passo lá em frente. Já na Dame Tartine, no Beaubourg, diante da Place Igor Stravinsky (com as esculturas da Niki de St Phalle que eu adoro desde que vi pela primeira vez, há exatos 19 anos), oh-la-la. Tudo porque eu comecei pedindo um vinho rosé por engano, em vez do rouge, e quis trocar. Quem mandou.

sábado, 23 de junho de 2007

Say only -

Centre Pompidou: Annette Messager. Beckett. Philippe Mayaux. E "Airs de Paris", começando por Marcel Duchamp.
Depois do Beto de Londres, o Beto de Milão, que veio trazendo "l'autentico gianduiotto di Torino."
Annette Messager




Samuel Beckett
"The void: how try say? How try fail? No try no fail. Say only -"
(Worstward Ho)

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Don't let me down


o anel que tu me deste / era de vidro blindex (Bith)


Mala como livro e livro como bagagem. Porque a vida é algo que se leva às costas, com custo, ou sobre as mãos, com delicadeza. (Ondjaki)



Joca e Tadeu no pub Mayflower


Pensávamos que a Fête de la Musique ia virar a noite. A última coisa que vimos dela foi um bloco de samba passando pela rue Mouffetard, e atrás dele só não ia quem já tinha morrido, e sabe-se lá qual os passos que as pessoas aqui atribuem ao samba, valia qualquer coisa desde que fosse divertido. O baticum empolgou mais que todas as bandas cover dos Beatles, do que os caras tocando Hendrix na nossa rua. Se bem que estava bacana o grupo perto da estação Cardinal Lemoine tocando Don’t let me down.

Encontramos o Joca Terron e a Bel, mulher dele (voltando do Cairo), o Tadeu Jungle e a Marcela, amiga e ex-assistente dele que mora em Londres, num pub perto da Mouffetard, onde havia várias placas de carros dos EUA (!) decorando a parede. Inclusive do Colorado e do Novo México. Eu me senti em casa. Lembrei do carro do Paulo que dirijo no meio de muita neve, visibilidade zero, 4x4 e peloamordedeustomacuidado, -22 graus lá fora. Mas essa é uma outra história.

O Joca e a Bel contaram causos de humor negro do Cairo. O Joca me desejou boa sorte pra escrever uma história de amor em Paris. A questão: evitar o lugar-comum ou assumi-lo, fazer um pacto riobaldiano? Le diable dans la rue.

Bebemos. Stella Artois e Guiness. Voltamos a pé desde lá até nossa casa no 14º arrondissement, um trajeto imenso, o Boulevard Arago inteiro desde a Avenue des Gobelins até a Place Denfert-Rochereau. No caminho um rapaz bêbado e feliz passa por nós: “Bonsoir, monsieur-dame. Je vou embrasse très fort.” (“Boa noite, meu senhor e minha senhora, um abraço muito apertado.”)

No caminho, Tadeu angariava a atenção das multidões com a câmera. Télévision? Os franceses perguntavam. Télévision du Brésil, o Tadeu dizia, para delírio geral, e sempre algum chovedor-no-molhado lembrava de Zizou e... (Fiche moi la paix, não me encham o saco, mesmo ele sendo o jogador mais bonito daquela copa. Certo: há controvérsias.)

O Mikael, filho de 9 anos do Paulo e obcecado pela Tour Eiffel, pediu a ele que tirasse uma foto. Então tá. Hoje fomos fazer programa de turista. Mas chovia tanto, chovia tanto, meu guarda-chuva laranja comprado em Teresópolis não dava conta de nós dois, e nada de foto da torre, fomos parar no Centre Culturel du Japon na Place Kyoto, compramos um incenso de lótus depois de o segurança nos revistar para entramos no prédio e na lojinha.

Gabriel, meu filho, me mandou e-mail: “Oi, meu pai me deu um remedio e hoje dia 19 não tive febre mas ontem eu tive mas foi febre baixa, eu tenho que tomar o remedio de 12 em 12 horas, eu ja estou melhor da gripe. Vi o sherek 3 no cinema com a Julia e a Ilana.”

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Fête de la Musique

("a arte não é um negócio sério. A arte é um negócio sério. A arte não é um negócio. A arte é um negócio. A arte não é. A arte nasce.")


Ontem, o locutor do rádio citou Boris Vian: "La langue est un organe sexuel dont on se sert occasionnellement pour parler." ("A língua é um órgão sexual de que ocasionalmente nos servimos para falar.")

Ontem, Chico Buarque sentado num café da Île St Louis, lendo o Le Monde.

Uma enormidade de turistas brasileiros em Paris. Fazendo sempre uma enormidade de compras.

Hoje, o Musée Picasso, no Marais, de manhã. E a cidade já começando as comemorações da vigésima-sexta Fête de la Musique, que viram a noite (o metrô está com uma tarifa única e vai funcionar 24 horas). A festa ocorre anualmente no dia 21 de junho, solstício de verão.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Ça se fête!


(Paulo fez a foto. No Musée d'Orsay.)

terça-feira, 19 de junho de 2007


Café d'Enfer

Na chegada à rue Daguerre, em busca do apartamento, passamos pela feira livre. Vendedores gritando morangos, cerejas. Queijos. Carnes que não comemos - somos vegetarianos num país em que tradicionalmente se devoram bifes de cavalo, escargots, ostras, fígado de ganso, coelhos, rãs, oursin, gigot d’agneau e afins.


Venta. Ameaça chover. Um homem me cumprimenta, de passagem pela feira, vendo as malas: bienvenue en France.
Vous aussi, mon ami: você também. O rosto dele é o de um imigrante mais ou menos assimilado pela cidade.


O livro que estou lendo se chama We’ll Always Have Paris: Sex and Love in the City of Light, do crítico de cinema John Baxter. Leio: “All Paris stories are to some extent stories of love – love requited or unrequited, knowing or innocent, spiritual, intellectual, carnal, doomed” (“todas as histórias de Paris são, até certo ponto, histórias de amor – amor correspondido ou não correspondido, experiente ou inocente, espiritual, carnal, predestinado”).


Os morangos, as cerejas, flores de lavanda em potes na calçada. O Café d’enfer (“Café do inferno”) fazendo trocadilho com o Boulevard Denfert, nas proximidades. As malas rolando pela rua de pedestres.

Na primeira vez que cheguei em Paris tinha 18 anos e vim para morar. Acabei me mudando para Avignon, fui cantar MPB num restaurante chamado Tudo Bem – ganhava gorjetas extra com “Essa moça tá diferente”, do Chico, tema de um comercial da Orangina (espécie de Fanta laranja daqui). Vim de novo a Paris quase dez anos depois. E a última vez foi no ano passado, fiquei quinze dias hospedada com o amigo de origem argelina que estuda filosofia e mora de favor num conjunto de chambres de bonne num endereço chique (as chambres de bonne são minúsculos quartos reservados antigamente à criadagem, com um banheiro comum e no último andar dos prédios, o que pode equivaler a vários lances de escada).

Quando estive aqui no ano passado topei com o João Paulo Cuenca na rua. Ele estava barbudo, quase não reconheci. Estávamos no meio de um monte de pedestres no Boulevard Saint-Michel. Parece o Cuenca, eu pensei. Aí escutei: Adriana?
Bienvenue en France.
Vous aussi, mon ami. Todos mais ou menos assimilados pela cidade.

Chove fino, uma chuva inocente. Precisamos comprar adaptadores para as tomadas francesas.